Não importa, a rigor, se o produtor do filme A Inocência dos Muçulmanos é um agente imobiliário de Los Angeles, um cristão coopta ou o que for. O que importa é suma função política.
Peça de propaganda comparável ao Protocolo dos Sábios do Sião, documento forjado por anti-semitas que queriam um pretexto para massacrar o povo judeu, a reação previsível que o vídeo já provocou está sendo empregada para pressionar o governo de Barack Obama a apoiar Israel em seu esforço para atacar o Irã.
Retomando um fantasma permanente dos tempos atuais, o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyau, declarou, ontem, que o Irã já tem 90% das condições para produzir uma bomba atômica. Considerando que a última guerra na região foi produzida com a garantia de que Sadham Hussein possuía as célebres “armas de destruição em massa” – uma mentira vergonhosa pela qual a humanidade sofre várias consequências até hoje, diplomáticas e também econômicas – é bom desconfiar de uma afirmação tão interessada.
Bill Keller, um dos principais colunistas do New York Times, jornal insuspeito de antipatia em relação a Israel, escreveu em artigo publicado no Estadão de ontem que o primeiro ministro israelense pratica uma diplomacia que “tem a graça sutil de um animal que comeu uma erva alucinógena.” (Ele disse que o candidato republicano Mitt Romney usa a mesma droga, também).
Como escreveu Keller, “concordemos ou não com a idéia do uso de força, não há motivo algum para atacar agora. Nas instalações de enriquecimento do Irã há aparelhos e inspetores que poderão nos alertar se o país decidir começar repentinamente a enriquecer combustível para a fabricação de armas.”
Por isso é que é preciso distribuir LSD pelo Oriente Médio — na forma de vídeo. É preciso enloquecer a população, seja a que irá reagir, nos países, seja a que irá assistir cenas de violência pela TV.
O alucinógeno em questão tem um traço peculiar. Só pretende provocar alteração na consciência dos outros. É como aquela lenda dos malucos que colocavam LSD nos sistemas de distribuição de água das grandes cidades americanas.
As pesquisas de opinião mostram que seria necessário um grande esforço na criação de uma ambiente de delírio para se obter apoio da população dos EUA a uma invasão do Irã.
Levantamentos do Chicago Council on Global Affairs, citados por Keller, mostram que 70% dos americanos são contrários a um ataque unilateral ao Irã e 59% dizem que, em caso de Israel deflagrar uma guerra, os EUA devem ficar de fora. Neste caso, o que fazer? Uma provocação.
O vídeo presta-se a isso. Pelo seu caráter ofensivo, virulento, dificilmente deixaria de ter uma resposta dos países árabes, em especial depois que eles foram capazes de derrubar ditaduras que mantinham suas populações subjugadas e agora exercem o direito de dizer o que pensam.
As manifestações são condenáveis em sua violência. Mas serão exageradas, amplificadas, pelo interesse de criar um ambiente favorável a uma ação militar. Os paus mandados que falam “tudo indica que…” ou “é muito provável que” já estão nos telejornais, em farta distribuição de LSD. Não vamos nos esquecer. Na invasão do Iraque, o general Collin-Powell apostou sua reputação nas “provas” contra Saddam. O que é um pouquinho de droga alucinógena, agora?
A história do Oriente Médio mostra que nunca faltaram lideranças capazes de caírem em armadilhas alucinógenas e cometer ações que se voltaram contra seus interesses – com as diversas guerras desde a fundação do Estado de Israel, atos condenáveis e trágicos, como nas Olimpíads de Munique e no 11 de Setembro.
Completa-se, assim, o efeito alucinógeno.